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Palavras Cruzadas


Por Antonio Filho

Estou no quarto mas o quarto tem algo sem mim
vejo sapatos sem mim
percebo minha ausência nas roupas usadas e meio sujas penduradas pelos ganchos
as unhas recém cortadas não me revelam
espalham seus arcos brancos pelo chão à espera de seu destino
no espelho vê-se a imagem de um ombro e uma barba por fazer
mas não sou eu
nada mais difícil de se ver que um violão que falta uma corda
duas então
na mulher ao lado não há nada meu
tudo ali é dela, é inexoravelmente ela
tudo há nela
os livros na estante não me pertencem
ficarão uma dia com alguém ou com ninguém
as sandálias sobrevivem sem mim
mas por que as dobradiças não rangem?
O vento move a porta, a porta vai, a porta vem
e o rangido é só uma lembrança que a memória teima em imitar
as chaves estão onde não estou
nunca as encontro,
elas é que se deixam encontrar por pura piedade
as palavras cruzadas ficam sempre pela metade, a faculdade, os projetos mirabolantes
as amizades e as caminhadas
existem fios demais e energia de menos
um sábado igual ao outro que espera desde o domingo
o copo vazio ainda guarda o cheiro da bebida barata
a garrafa também está vazia
o telefone ao lado não toca
e quando toca não quero atender
são miguel arcanjo com o manto vermelho
vestido como um soldado romano
tem asas azuis, uma espada e uma balança
e uma mulher de coração exposto chora tristemente sob o peso da coroa.

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