Leitura Musical sobre a banda Eletrocactus e o disco O Dia Em Que A Fome Morreu De Sede - II Parte
Alô, alô malungueir@s deste mafuá, como foi prometido ainda a pouco, abaixo vai a segunda parte da leitura musical do disco O Dia em que a Fome Morreu de Sede da banda Eletrocactus. Espero que tod@s gostem, mas, caso não gostem, o espaço dos comentários serve é pra isso mesmo.
Homens de Maracatu
Composição exclusiva de Gleucimar Rocha, letra e música. O título da música já adianta muito o que se vai ouvir. Gleucimar Rocha mantendo o vigor poético constante em suas letras, a despeito da bateria cheia de viradas e dos riffs da guitarra de Gledson Rocha, inspira-se no maracatu solene. O compasso ritualístico e hipnótico, dois por dois, conduz toda a melodia. O resultado é de uma beleza poética única, com a dulcíssima voz de Gleucimar fazendo dupla com o “Homem de Maracatu” Calé Alencar. Calé Alencar com todos os seus anos de compositor de loas, brincante e fundador de maracatus vem como carimbar o passaporte da banda Eletrocactus para a exclusivíssima lista de intépretes e copmpositores de loas de maracatu. Não se pode também deixar de dizer que Homens de Maracatu mantém o clima de cinema, de trilha sonora.
Seco Sertão Sangrado
A composição da parte musical é divida pelos irmãos Rocha, mas a letra é de Alan Mendonça. Essa parceria só vem a confirmar o que dissemos anteriormente sobre a música de O Soneto do Asfalto. A banda Eletrocactus realmente, ao trazer o texto de Alan Mendonça, confirma sua preferência por parcerias cujas letras sejam de alta elaboração
textual. Alan Mendonça é poeta e letrista de longo percurso, mais de uma década de atividades como letrista e talvez mais de uma centena de letras espalhadas por discos, peças de teatro e shows de diversos artistas. A música inicia-se com um forte clima ibérico que se mantém por toda a música, nada mais adequado, pois a temática da letra é o sertão. A letra e a música fazem o casamento vigoroso em que o discurso textual mistura as imagens do boi e de um roçado que se foi com a seca à ideia de um Deus que também se foi. O sempre exato texto de Alan é um pequeno laboratório de desgraças que a seca traz ao homem do sertão, o catolicismo primitivo cheio de crendices que busca explicar a inexorável marcha do clima sem o alívio de políticas públicas. A música termina com um duelo/dueto entre os riffs da guitarra e a bateria num quase como crescente de toque de guerra.
Pálpebra Sal
Os irmãos Rocha dividem a composição, música de Gledson Rocha e letra de Gleucimar Rocha. Novamente um maracatu solene, cadenciado e tradicionalmente elétrico, mas diferente de Homens de Maracatu, a temática varia, agora o personagem principal é o mangue ou o homem que vive do mangue. É difícil precisar, pois os versos dispensam a linearidade narrativa, uma coisa muito positiva, pois demonstra a versatilidade criativa de Gleucimar Rocha. O texto todo é construído de fragmentos poéticos, os versos são instantes paisagísticos que a música baseada no maracatu faz cumprir seu papel de condensadora do discurso textual da canção como um todo. Sei que num texto tão fragmentado seria difícil fazer uma interpretação precisa, mas acho adequado correr um certo risco. A opinião desse desorganizado blogueiro é que Pálpebra Sal quer estabelecer um sutil, inteligente e digno diálogo com o manguebit. Bem, fica aí a discussão, os de sim e os de não que se manifestem.
Mal Importa
Letra, Gleucimar Rocha; Música, Gledson Rocha. Mais uma feliz parceria dos irmãos Rocha que abrem novo capítulo dançante. Pode-se dizer que todo o disco é antropofágico, com suas misturas ritmicas feitas de baiões, xotes e maracatus aos ritmos eletrificados do rock'n roll, do jazz e do blues. Mas dessa vez, a antropofagia, que vai culminar ao extremo na faixa 12 com Maracatunaíma, é uma antropofagia quase tropicalista. Em Mal Importa, o texto da letra sugere a existência da mercantilização de uma cultura que domina, mas que é necessário resistir. A última estrofe é bem explícita: Só não vem me acostumar/com o gosto do teu caramelo importado/O gosto do teu caramelo importado/A alma que eu nunca quis importar. Novamente Gleucimar acerta em cheio.
Que Jazz Bé Isso?
Música da Banda, composição de Gledson Rocha, Mauricélio Lima e Wesdley Vasconcelos. O único capítulo instrumental. Longe de destoar das composições anteriores e posteriores, no entanto, a música poderia ser dispensada. Quase que se perde no meio de tantas composições de letras e músicas igualmente vigorosas e sofisticadas. A faixa 11 deixa uma pequena sensação de que agora é a vez dos músicos, um espaço para que guitarra, baixo e bateria, uma típica formação de jazz, possa demonstrar suas virtudes e virtuosismo técnico. Composição criada e excutada com excelência, sem dúvida, mas o que mal não faz, bem certamente há de fazer.
Maracatunaíma
Outra parceria dos irmão Rocha com letra de Gleucimar e Música de Gledson. Antropofágica desde o título, a composição é um prodígio de mistura musical. Começa com uma bateria de jazz, depois passa ao blues mais pesado que dialoga ou se embola com um rock's roll meio anos 50, tudo isso com a onipresença de um maracatu solene nos ferros e um baião que não se sabe direito de onde vem. O texto também, longe de ser uma mera referência ao romance de extremo modernismo de Mário de Andrade, o Macunaíma, Gleucimar, na verdade, não dispensa a oportunidade de deixar sua marca de escritora experiente e experimental. A letrista ousa, e com inegável sucesso, recriar o texto de Mário de Andrade. A banda neste Maracatunaíma demostra sua ousadia em misturas precisas, que, acreditamos, seja a sua melhor e maior característica.
Renda de Dor
Letra, Gleucimar Rocha; música, Gledson e Gleucimar Rocha. A letra merece atenção especial. Renda de Dor e Cine Fome Mulher são letras irmãs, como Caim e Abel, elas se opõem e se completam, ao que uma cala a outra revela. Se cine Fome Mulher é um manifesto existencial e social feminino. Renda de Dor é uma confissão amorosa, essencialmente erótica, mas de um certo modo pessimista. Parece que o amor é uma dimensão humana cheia de preparação e beleza como as tramas da renda, mas, no fim, do mesmo jeito que a maré enche como o amor, ela também seca e o amor também. Essa relação de opostos e complementaridade transborda também na música, na voz feminina de Gleucimar e a masculina de Roberto César. Renda de Dor é uma música pra se ouvir diversas vezes na função repete do aparelho de som.
Matuto Blues
Letra, Gleucimar Rocha; música, Gledson Rocha. A décima quarta composição fecha o disco com chaves e aldravas de ouro. O último capítulo dançante tem a participação do sanfoneiro e aviador Waldonys. A composição pede “licença, sai de ré/e mistura meu teu blues com meu baião”. Nada falta para dançar, Lampião, Maria bonita e Padim Ciço às bençãos de seu Gonzaga. A letra é a resposta alegre do sertanejo às agruras climáticas e estruturais do sertão. Na verdade, a temática é sertaneja, mas é universal porque simbólica da vida do homem de qualquer lugar do mundo. De um homem e mulher que vive de seu sustento da terra e do clima. Do homem e mulher que ama e odeia, mas que no meio canta e comemora o bem e o mal de viver.
Essa é a banda Eletrocactus.
Homens de Maracatu
Composição exclusiva de Gleucimar Rocha, letra e música. O título da música já adianta muito o que se vai ouvir. Gleucimar Rocha mantendo o vigor poético constante em suas letras, a despeito da bateria cheia de viradas e dos riffs da guitarra de Gledson Rocha, inspira-se no maracatu solene. O compasso ritualístico e hipnótico, dois por dois, conduz toda a melodia. O resultado é de uma beleza poética única, com a dulcíssima voz de Gleucimar fazendo dupla com o “Homem de Maracatu” Calé Alencar. Calé Alencar com todos os seus anos de compositor de loas, brincante e fundador de maracatus vem como carimbar o passaporte da banda Eletrocactus para a exclusivíssima lista de intépretes e copmpositores de loas de maracatu. Não se pode também deixar de dizer que Homens de Maracatu mantém o clima de cinema, de trilha sonora.
Seco Sertão Sangrado
A composição da parte musical é divida pelos irmãos Rocha, mas a letra é de Alan Mendonça. Essa parceria só vem a confirmar o que dissemos anteriormente sobre a música de O Soneto do Asfalto. A banda Eletrocactus realmente, ao trazer o texto de Alan Mendonça, confirma sua preferência por parcerias cujas letras sejam de alta elaboração
textual. Alan Mendonça é poeta e letrista de longo percurso, mais de uma década de atividades como letrista e talvez mais de uma centena de letras espalhadas por discos, peças de teatro e shows de diversos artistas. A música inicia-se com um forte clima ibérico que se mantém por toda a música, nada mais adequado, pois a temática da letra é o sertão. A letra e a música fazem o casamento vigoroso em que o discurso textual mistura as imagens do boi e de um roçado que se foi com a seca à ideia de um Deus que também se foi. O sempre exato texto de Alan é um pequeno laboratório de desgraças que a seca traz ao homem do sertão, o catolicismo primitivo cheio de crendices que busca explicar a inexorável marcha do clima sem o alívio de políticas públicas. A música termina com um duelo/dueto entre os riffs da guitarra e a bateria num quase como crescente de toque de guerra.
Pálpebra Sal
Os irmãos Rocha dividem a composição, música de Gledson Rocha e letra de Gleucimar Rocha. Novamente um maracatu solene, cadenciado e tradicionalmente elétrico, mas diferente de Homens de Maracatu, a temática varia, agora o personagem principal é o mangue ou o homem que vive do mangue. É difícil precisar, pois os versos dispensam a linearidade narrativa, uma coisa muito positiva, pois demonstra a versatilidade criativa de Gleucimar Rocha. O texto todo é construído de fragmentos poéticos, os versos são instantes paisagísticos que a música baseada no maracatu faz cumprir seu papel de condensadora do discurso textual da canção como um todo. Sei que num texto tão fragmentado seria difícil fazer uma interpretação precisa, mas acho adequado correr um certo risco. A opinião desse desorganizado blogueiro é que Pálpebra Sal quer estabelecer um sutil, inteligente e digno diálogo com o manguebit. Bem, fica aí a discussão, os de sim e os de não que se manifestem.
Mal Importa
Letra, Gleucimar Rocha; Música, Gledson Rocha. Mais uma feliz parceria dos irmãos Rocha que abrem novo capítulo dançante. Pode-se dizer que todo o disco é antropofágico, com suas misturas ritmicas feitas de baiões, xotes e maracatus aos ritmos eletrificados do rock'n roll, do jazz e do blues. Mas dessa vez, a antropofagia, que vai culminar ao extremo na faixa 12 com Maracatunaíma, é uma antropofagia quase tropicalista. Em Mal Importa, o texto da letra sugere a existência da mercantilização de uma cultura que domina, mas que é necessário resistir. A última estrofe é bem explícita: Só não vem me acostumar/com o gosto do teu caramelo importado/O gosto do teu caramelo importado/A alma que eu nunca quis importar. Novamente Gleucimar acerta em cheio.
Que Jazz Bé Isso?
Música da Banda, composição de Gledson Rocha, Mauricélio Lima e Wesdley Vasconcelos. O único capítulo instrumental. Longe de destoar das composições anteriores e posteriores, no entanto, a música poderia ser dispensada. Quase que se perde no meio de tantas composições de letras e músicas igualmente vigorosas e sofisticadas. A faixa 11 deixa uma pequena sensação de que agora é a vez dos músicos, um espaço para que guitarra, baixo e bateria, uma típica formação de jazz, possa demonstrar suas virtudes e virtuosismo técnico. Composição criada e excutada com excelência, sem dúvida, mas o que mal não faz, bem certamente há de fazer.
Maracatunaíma
Outra parceria dos irmão Rocha com letra de Gleucimar e Música de Gledson. Antropofágica desde o título, a composição é um prodígio de mistura musical. Começa com uma bateria de jazz, depois passa ao blues mais pesado que dialoga ou se embola com um rock's roll meio anos 50, tudo isso com a onipresença de um maracatu solene nos ferros e um baião que não se sabe direito de onde vem. O texto também, longe de ser uma mera referência ao romance de extremo modernismo de Mário de Andrade, o Macunaíma, Gleucimar, na verdade, não dispensa a oportunidade de deixar sua marca de escritora experiente e experimental. A letrista ousa, e com inegável sucesso, recriar o texto de Mário de Andrade. A banda neste Maracatunaíma demostra sua ousadia em misturas precisas, que, acreditamos, seja a sua melhor e maior característica.
Renda de Dor
Letra, Gleucimar Rocha; música, Gledson e Gleucimar Rocha. A letra merece atenção especial. Renda de Dor e Cine Fome Mulher são letras irmãs, como Caim e Abel, elas se opõem e se completam, ao que uma cala a outra revela. Se cine Fome Mulher é um manifesto existencial e social feminino. Renda de Dor é uma confissão amorosa, essencialmente erótica, mas de um certo modo pessimista. Parece que o amor é uma dimensão humana cheia de preparação e beleza como as tramas da renda, mas, no fim, do mesmo jeito que a maré enche como o amor, ela também seca e o amor também. Essa relação de opostos e complementaridade transborda também na música, na voz feminina de Gleucimar e a masculina de Roberto César. Renda de Dor é uma música pra se ouvir diversas vezes na função repete do aparelho de som.
Matuto Blues
Letra, Gleucimar Rocha; música, Gledson Rocha. A décima quarta composição fecha o disco com chaves e aldravas de ouro. O último capítulo dançante tem a participação do sanfoneiro e aviador Waldonys. A composição pede “licença, sai de ré/e mistura meu teu blues com meu baião”. Nada falta para dançar, Lampião, Maria bonita e Padim Ciço às bençãos de seu Gonzaga. A letra é a resposta alegre do sertanejo às agruras climáticas e estruturais do sertão. Na verdade, a temática é sertaneja, mas é universal porque simbólica da vida do homem de qualquer lugar do mundo. De um homem e mulher que vive de seu sustento da terra e do clima. Do homem e mulher que ama e odeia, mas que no meio canta e comemora o bem e o mal de viver.
Essa é a banda Eletrocactus.